A
fotografia me sorri. Arreganho o nariz.
Dá
um sorrisinho de volta, vai.
Comprimo
os lábios.
A
fotografia abre ainda mais o sorriso.
Não
enche o saco.
A
fotografia escancara a boca.
Esconde
esses dentes. Coisa mais feia.
Os
dentões de cinema se expõem ao mundo. Todos os 143.
Comprimo
as pálpebras com toda a força, como fazia quando me deitava no escuro pensando
que o monstro vinha me devorar.
Deixa
de ser criança. Coisa ridícula.
Ridículo
é a puta que te pariu. Odeio quando uma fotografia me chama de ridículo.
Detesto
testo esto conversar com fotografia fia ia. Me dá essa sensação de... hm...
Ahá!
Descolei uma reticências. Muito antes do que pensava. Hihihi.
Tampo
a cara com as duas mãos abertas. Dai-me forças, senhor.
Vai
ser difícil a esta altura. Inda mais depois de passar a vida inteira debochando
d’Ele.
A
coisa tá realmente preta quando você é impedido até mesmo de blasfemar. O Sagrado
Coração que mamãe e papai tinham na parede da sala me invade os pensamentos. Os
olhos esverdeados do sujeito reluzem.
Não
me obrigue a conversar com Jesus. Imploro.
Peça
perdão.
Peço.
No dia de são Nunca.
Duas
silabazinhas, porra. Não vai matar, garanto.
Vai.
Vai me matar outra vez. Vai me matar tantas vezes quanto me furtei a.
A...?
A
reticências agora é sua. Sorrio triunfante.
Foi
golpe baixo. Você a omitiu arbitrariamente. Qualquer outro a teria usado aqui.
Dobro
o lábio inferior para dentro e mordo e fico mordiscando. A fotografia desfaz o
sorriso. Parece compadecida.
Don’t
go patronizing me.
A
fotografia se faz de confusa. Finge não entender.
Corta
o bullshit, merda!
O
sorrisão debochado retorna.
Escuta.
Enfio
um indicador em cara orelha.
Deixa
de ser ridículo. Me diz uma coisa. Você por um remotíssimo acaso pensa que está
falando com o espelho?
Claro
que não. Pergunta mais imbecil. Sei muito bem a diferença entre um e outro.
Mal
termino a declaração, um outro rosto surge na fotografia. O meu.
Sacanagem,
não! Escondo novamente a cara com as mãos.
Entreabro
os dedos, espio. Meu rosto me sorri. Não é deboche. É... hm... Não sei o que é.
Um sorriso inexplicável.
Truque
mais sujo! não contenho a exclamação. E tem a coragem de me acusar de golpe
baixo. Filha da puta.
Um
segundo rosto aparece ao lado do meu. Me aproximo para olhar. Quem é esse
sujeito? Nunca vi mais gordo.
Você
sabe muito bem quem é.
Se
estou dizendo que não sei é porque não sei.
Seja
honesto.
Meus
punhos se crispam violentamente.
Não
vá me rasgar. Não seja covarde!
Sinto
as unhas entrando na pele. Christ.
Pode
mudar de língua. Não vai adiantar. Reconheça.
Não.
Faça
um esforço.
Não.
Seja
homem. Pela primeira vez.
Reprimo
qualquer reação física. Meu estômago vira uma pedra de náusea.
Não
me mande ser isso ou aquilo. Quantas vezes terei de repetir?
Quem
está falando?
Eu.
Você
sabe quem é.
Sou
eu!
Admita.
Não.
Quem
está falando?
Não
me interessa.
Diga!
Diga duma vez por todas!
Enquanto
a pedra no estômago se esfarela, injetando um caldo de pedregulhos no meu
sangue, sinto o rosto impassível. Sou fodão.
Você
pode ser qualquer coisa menos fodão.
Sou.
Então
reconheça.
Tira
esse rosto daí.
Só
depois que admitir.
Não
seja teimosa.
“Não
me mande ser isso ou aquilo” remeda numa vozinha infantil.
Pare de me sacanear, porco dio.
Vem
cá.
Já
estou aqui.
Chegue
mais perto.
Me
aproximo. (Viu como sou obediente?)
Me
olhe bem nos olhos e diga, quem é que está se sacaneando?
Miro
o olhar da fotografia e cerro as pálpebras outra vez.
Diga.
Não
sei.
Diga,
pelo amor de Deus!
Uma
gargalhada explode no meu peito e escapa pela minha boca arregalada.
A
fotografia está séria.
Caí
de novo.
Miserável.