Uau au au au
segunda de
carnavau
50 anos da
morte de
Sylvia
Não, não fiquei
todo esse tempo de tocaia à espera da data. A lembrança do dia foi apenas uma
coincidência. Estava relendo a introdução de Ted Hughes a The Collected Poems, editado e organizado por ele. Hughes inicia a primeira linha
exatamente com “By the time of her death,
on 11 February 1963”...
Fiquei feliz
qual um menino quando saquei. Em parte porque não dou nem nunca dei maior
importância a elas, coincidências. Desde muito cedo vi que são apenas o que
são, não sinais disso ou daquilo ou de clarividências como querem os
supersticiosos. Se a realidade já me rouba quase todas as certezas, que dirá os
delírios, as esperanças de que a vida devia ser o que não é. E, pensando bem,
sequer posso afirmar que tenha sido um daqueles casos de “estar no lugar certo na
hora certa” (generalização igualmente cara aos cultivadores de crendices,
também característica dos que se deixam iludir por delírios esperançosos, os
que exaltam em escritores como Gabriel Garcia Marques a imaginação, que para
mim é escandalosamente previsível e sacal). Pois, em se tratando de Sylvia,
estou (quase) sempre na hora certa no lugar certo. A leio praticamente a cada
dia. Coincidência de fato teria sido se o 11 de fevereiro tivesse arrebatado o
olhar dum vivente entre os bilhões que jamais ouviram falar da criadora de
Ariel.
Em The Collected Poems, Ted Hughes (para
quem não sabe, ex-marido da poeta) reuniu a maior parte da produção de Sylvia,
sob a preocupação primeira, conforme explica na introdução, manter a
cronologia correta dos poemas. Tendo vivido com Plath até dois anos antes de
sua morte, Hughes descreve como e onde (re)encontrou a maioria dos poemas em
revistas e jornais para essa coletânea. E relata — infelizmente, apenas en
passant — que foi testemunha da confecção de vários deles, sobretudo alguns
pertencentes ao que chama de “terceira e última fase”. Em aparte devo dizer que
nessa introdução Hughes em nenhum momento dá uma de gaiato se exibindo ou
botando banca por ter estado lá como marido. A trata sempre como “Sylvia Plath”
ou “a poeta”, não se permitindo tons de intimidade em que outros em sua
situação facilmente resvalariam. Do começo ao fim se preserva sóbrio e algo
frio. Como aparte do aparte acrescento que fiquei imaginando — e esperando —
que, sendo poeta, ele baixaria a guarda, se entregando à emoção, partindo para
as confissões tão aguardadas por leitores interessados nas futricas que rodam o
mundo em torno da vida e do suicídio de Plath.
Não vou fazer um
panegírico de sua morte. Poetas de verdade não o merecem. Homenagens, sejam em
vida ou fúnebres, devem ser guardadas para colossos morais como José Sarney ou
Lula da Silva, essa gente destituída de honradez e que por isso mesmo precisa
que se lhes enalteçam a mediocridade. Deixo para os desinteressados da poesia a tarefa de lamentar
que Plath tivesse apenas trinta anos quando encheu os pulmões de gás de cozinha na mais
pútrida de todas as flores: a da idade. Que chorem eles pelas sabe-se lá
quantas centenas de poemas desaparecidos ainda na se-mente na
atormentada-mente. E que lastimem que as circunstâncias que envolveram o
episódio de sua morte, as repetidas traições cometidas durante o casamento por
Hughes, por sua vez poeta maior, os evidentes sinais de padecimento psíquico e
o trágico, tétrico do palco e da cena que escolheu para seu suicídio tenham sido
os grandes impulsores de seu nome ao estrelato literário. Desde fevereiro de
1963 até hoje tem-se falado muito mais de sua biografia que de sua poesia, até
que esta se eclipsou sob aquela. Escreveram-se inúmeras biografias de Plath e,
de Hughes, uma “não autorizada”. Após o episódio, uma legião de feministas
apontaram seus dedões em riste para Hughes, o acusando levianamente de
responsável pela morte da ex-esposa, cobrindo-o de insultos em eventos de que
participava, alegando que empurrara Plath até aquele episódio sinistro. E se
redigiram incontáveis “análises psicológicas” — umas, razoavelmente honestas,
outras, decididamente psicanalhas — contra Plath no afã de enaltecer, explicar
ou meramente vilipendiar sua obra.
Entre os
próceres do métier literário que não enxergam qualidade na poesia de Sylvia
Plath está Harold Bloom, o mais popular dos críticos literários da atualidade — e no
entanto um dos mais prestigiados na academia, por paradoxal que soe. Ficaram célebres os maus
bofes com que foi obrigado a se debruçar na obra de Sylvia. Não poupou nem seus
poemas nem seu romance The Bell Jar.
Entendo, até.
Cito um trecho
do livro Bloom’s Major Poets:
“A poesia
norte-americana do século 20 é imensamente rica em mulheres de gênio: Gertrude
Stein, Hilda Doolittle, Marianne Moore, Louise Bogan, Léonie Adams, Laura
Riding, Elizabeth Bishop, May Swenson, Amy Clampitt e várias poetas vivas. Se
acrescentarmos a grande poeta canadense Anne Carson, que está à altura de
qualquer poeta vivo atualmente, pode-se dizer que se estabeleceu um padrão
extraordinário. Por esse padrão, dificilmente pode-se elogiar em Plath muita
coisa além de sua sinceridade. No entanto, Plath claramente atende a uma
necessidade, nem estética, nem cognitiva, mas profundamente afetiva. Nesse
sentido, continua sendo uma escritora representativa e o fenômeno de sua
popularidade é digno de meditação crítica. Talvez deva ser colocada na
categoria da poesia popular, na companhia da assaz diferente (e
maravilhosamente bem-humorada) Maya Angelou.”
Quis traduzir o trecho acima para deixar claro o significado de que “dificilmente pode-se elogiar em Plath muita coisa
além de sua sinceridade”, em minha opinião bom indício de que Bloom parece não
dar maior importância à honestidade com que um poeta trabalha sua matéria prima,
ou seja, si mesmo. Comecei a escrever aos 13 anos e posso declarar com a mão
sobre a Bíblia (ao menos para mim mesmo, pois que sou meu mais interessado
leitor), que a maior peleja de qualquer escritor ou artista é precisamente
reunir, a cada minuto em que se ponha a esmiuçar a própria alma buscando
transcrever sua verdade, coragem para evitar cair na autoempulhação. Aos
que não escrevem a sério, cabe um alerta: o autotrambique pseudoliterário é muito mais
corriqueiro do que possa parecer, creiam. Posso, portanto, declarar solenemente
que, se o segundo maior crítico literário está alheio a tão trivial — mas não
menos importante — componente do fazer artístico, então não é nem de longe o
segundo maior crítico literário nem de hoje nem de nunca.
Lá se vão
cinquenta anos, e virão outros tantos, de mistificação, mitificação, fofocaiada
digna das páginas de tevê da Folha de São
Paulo, frivolidade à altura das “reportagens” da Vejinha, literatice traficada em cadernos especializados dos
jornais, psicanalhismo que não requer qualificativos, crítica literária sempre
apresentada em enciclopédicos ensaios em que os autores esbanjam a tão familiar
autossuficiência cafona do professor a regurgitar sapientismo. E o suicídio, as
circunstâncias em que foi cometido, as duas crianças a dormir “angelicalmente”
no quarto ao lado, a possibilidade de que a mais velha, Frieda, então com dois
anos, deparasse com o cadáver da mãe no chão da cozinha diante do fogão (há “controvérsias”
sobre tal possibilidade, o que serve apenas para demonstrar que todos já
viraram do avesso tudo que se refere à vida da poeta e todos acham que têm algo
a dizer a respeito). A imensa maioria obviamente idolatra o totem constituído
de poesia visceral que deu cabo da própria existência num drama à altura de
seus versos. Harold Bloom talvez a abomine exatamente por isso.
Terá Plath, aos
olhos do professoral Bloom, cometido a heresia de permitir que a sujeira de sua
vidinha de sofredora ordinária maculasse a sacralidade da Poética que se tornou
divina, fora do alcance do intelecto humano, a partir do instante em que o bravo
caçador Shi Bao Tiao declarou seu amor em versos à arrebatadoramente bela Fang
Mu Rui num povoado perdido no meio de Cantão no ano 6837 a.C.?
Como seria de
esperar, um justiceiro literário com o poder de fogo de Harold Bloom já abateu
muitos outros escritores e poetas malfeitores em suas temidas razzias pelo
Velho Oeste.
Um dos
enganadores das letras que foi desmascarado pela metralha verbal de Bloom é o
nosso velho conhecido Edgar Allan Poe.
O professor de
Yale e orientador da Camille Paglia, sua fiel escudeira mundo erudito afora, vê
em Poe “o maior enigma da poesia
americana”. Poemas como “O corvo”, “Os
sinos” e “Annabel Lee” não passam
de jingles (afirmação nem um pouco original, aliás). Se existem alguns que não
são ruins é porque imitam Byron, Coleridge e Shelley. E os contos de Poe não
ficam atrás em termos de ruindade. Para Bloom, são “pesadelos da dicção e da visão”.
Mas o que
aparentemente mais perturba o delicadíssimo senso estético de Bloom (que, ao que
eu saiba, jamais verteu um só verso em sua longa existência de caçador de
falsos poetas) é a enorme popularidade do autor de A máscara da morte escarlate, com maior número de leitores que os
consagradérrimos Walt Whitman e Robert Frost.
Não sei para
vocês aí fora — com perdão do americanismo —, mas a mim me evoca um tipo de
conspiração que, em sua ojeriza a Poe, Bloom esteja ecoando outros críticos
ilustres do genial bostoniano (ou autor de O
corvo, como preferirem) como T.S. Eliot (em From Poe to Valéry, 1949).
O ensaio de
Eliot sobre Poe se inicia assim:
O que pretendo
aqui não é uma estimativa judicial de Edgar Allan Poe; não estou tentando
decidir o posto que ele ocupa como poeta nem isolar sua originalidade
essencial. Poe é realmente um obstáculo para o crítico judicial. Se examinarmos
detalhadamente sua obra, não encontraremos senão uma escrita desleixada, um
pensamento pueril sem a sustentação duma leitura ampla ou erudição profunda,
experiências aleatórias em vários tipos de escrita, em geral feita sob a
pressão da necessidade financeira, isenta, em todos os detalhes, da perfeição.
Isso não seria justo. Mas se, em vez de considerar sua obra analiticamente, a
olharmos de longe, como um todo, veremos uma massa de forma ímpar e de tamanho
impressionante para a qual o olho retorna constantemente. A influência de Poe é
igualmente desconcertante. Na França tem sido imensa a influência de sua poesia
e de suas teorias poéticas. Na Inglaterra e na América, parece quase
insignificante. Será possível indicar qualquer poeta cujo estilo pareça ter
sido formado por um estudo de Poe? (...) mas quanto a Poe nunca terei certeza.
É curiosa essa
introdução de Eliot à obra de Poe. Logo de cara o genial autor de Terra arrasada adverte que seu texto não
é uma “estimativa judicial”, para em
seguida decretar dogmaticamente que a escrita de Poe é desleixada, seu
pensamento, pueril e sua cultura, sofrível. (Depois dizem que o bipolar sou
eu.) Pior ainda: Poe escrevia por “necessidade”, credo!
Antes de
prosseguir, me permitam um ligeiro parêntese. Como todos que lidamos com as
palavras sabemos, Eliot foi um poeta refinado e elegante, egresso de família da
classe média abastada americana que futuramente se mudaria para a Inglaterra,
adotando modos, hábitos e cacoetes de aristocrata britânico. Homem de Harvard,
o suprassumo acadêmico de seu país, e depois filósofo pela Sorbonne, foi também
um marido exemplar. Em 1932, quando retornou aos EUA, abandonou na Inglaterra
sua esposa Vivienne, que em 1938 seria internada num sanatório onde permaneceu
até morrer em 1947. Durante o longo período de internação, Vivienne jamais
recebeu uma visita do marido.
(Certo, segundo os estruturalistas, a vida dum autor nada tem a ver com sua obra. Que o digam o pró-fascista Pound e o pró-nazista Céline. De minha parte, concordo até certo ponto. Mas a questão aqui é exatamente especular se o suicídio de Plath e a projeção que sua poesia ganhou posteriormente à sua morte têm alguma influência ou mesmo fortaleceram a antipatia de Bloom pela obra da poeta.)
(Certo, segundo os estruturalistas, a vida dum autor nada tem a ver com sua obra. Que o digam o pró-fascista Pound e o pró-nazista Céline. De minha parte, concordo até certo ponto. Mas a questão aqui é exatamente especular se o suicídio de Plath e a projeção que sua poesia ganhou posteriormente à sua morte têm alguma influência ou mesmo fortaleceram a antipatia de Bloom pela obra da poeta.)
Retomando o
ensaio de Eliot, me admira que ele não o tenha usado para acusar Poe de
vagabundo, bêbado e viciado em ópio e haxixe, no que estaria, por assim dizer,
coberto de razão.
Mas o criador do
sublime poema Homens ocos, ao bater o
martelo sobre o “desleixo” de Poe, não está sozinho entre os grandes da
literatura em seu cuidado em evitar uma “estimativa judicial”. William Butler
Yeats, o excelso poeta e dramaturgo irlandês, classificou o estilo de Poe de “tawdry”, vocábulo arretado que eu
verteria entre “espalhafatoso” e “bocomoco” (mais este que aquele, talvez).
Cumpre notar que, ao contrário de Edgar, que desperdiçava sua vida inútil em
dissipação nos botecos de Boston em incessante comunhão etílica com marinheiros
e carnal com prostitutas, o prendado W.B. exerceu, entre outros, o prestigioso
cargo de senador. (Vejo na Wikipedia que ele foi, ainda, galardoado (sic; pobrezinho) com o Nobel de Literatura de 1923.
(Mais um aparte:
W.B. Yeats havia morado no mesmo apartamento em que Plath tirou a própria vida.
Essa, sim, é coincidência digna de consignação, como diria um aluno do Roberto
Schwarz.)
E vejam só que
ironia: até mesmo o bandalho D. H. Lawrence veio meter sua... colherzinha no
angu tachando o estilo de Poe de... “extremamente
vulgar”.
Para finalizar
em grande estilo esta seção dos antipatizantes de Edgar Allan Poe e dos
literatos que, para ojeriza dos críticos, não fazem ou fizeram de sua arte um
trabalho de ourivesaria, tenho de citar o superintelectual inglês Aldous
Huxley, que, como todo superintelectual, tem sempre algo a dizer sobre o que
quer que seja.
Huxley abre um
ensaio que denominou Vulgaridade na
literatura se perguntando se Poe era um grande poeta, a seguir se valendo
do pretexto da dúvida para explicar por que em sua opinião Poe escrevia mal. E
para justificar o título do ensaio, compara a escrita de Poe a alguém que use um anel de diamante em
cada dedo, o que é indesculpável para homens sensíveis e requintados. (E, convenham, que comparação mais ruinzinha, essa.)
Voltando ao
segundo maior crítico do mundo, sabe-se sobejamente que Bloom emprestou sua
celebridade para editar e escrever a introdução duma grande coleção de 21
volumes chamada “Bloom’s Major Poets”,
na qual uma penca de ensaístas, sob o amplo e acolhedor guarda-chuva do
mestre, discorrem sobre os mais populares e/ou citáveis poetas (todos de
língua inglesa, salvo engano), Plath e Poe inclusos.
No volume dessa
coleção dedicado a Poe, a introdução de Bloom começa assim:
Meu prefácio lamenta a inadequação estética da poesia de Poe, embora conceda que
isso, de forma alguma, iniba sua permanente popularidade.
Ao passo que a
introdução sobre Plath começa assado:
Meu prefácio sugere algumas reservas que ainda sustento quanto à eminência
poética de Plath, embora reconheça que ela se tornou um exemplo de Poesia
Popular.
Bem, como não tenho
vocação analítica nem queda para uma visão lógico-despenteada das coisas da
academia, do mundo dos gênios, da vida dos poetas, vocês vejam aí que é que, se
é que, isso significa.
Harold Bloom é o
segundo maior crítico literário vivo e não serei ridículo a ponto de concordar
ou discordar dele. (Mas Marjorie Perloff dá uma boa peitada no cara em http://www.bostonreview.net/BR23.3/perloff.html.)
Para Bloom a poesia de Plath é “derivativa”, julgamento impiedoso e, IMHO,
extremamente injusto. E tenho do meu lado ninguém menos que Camille Paglia, que
foi orientanda dele no Harpur College e considera Daddy um poema “central” do século 20. Data venia, me permitirei um
palpite sobre a posição de Bloom quanto à poesia de Plath:
Bloom não
aceita que a biografia de Plath tenha superado sua obra em termos de fama,
colocando sua vida, em inúmeros círculos e circuitos de debate, acima de sua
poesia. Ante o resfolegante personalismo que bafeja tudo e todos hoje em dia,
parece razoável. Nas palavras textuais dele, “A reputação contemporânea é o
guia mais inapropriado para a sobrevivência canônica.”
Não há como
refutar Bloom quando, da poeta Adrienne Rich, ele diz ser “de inacreditável ruindade, pois segue os critérios em vigor hoje em
dia: tudo que conta são raça, gênero, orientação sexual, origem étnica e
propósito político do pretenso poeta.” Não por acaso, Bloom inclui Plath e
Rich no que denomina “Cultura do
ressentimento”.
Mas há algo de
cruel na imparcialidade científica com que ele atira na vala comum todos os
poetas confessionais. (Não vou chamar atenção para o termo com aspas.) Anne
Sexton é tão desprezível quanto qualquer metido que desande a poetizar
suas experiências emotivas particulares. (Será que o último período mereceria
um tratado à parte? Mereceria. O que não, na grande poesia?) Uma porção, a
mais poderosa, há décadas pugna para que a vida do autor não se intrometa em
sua obra, princípio que se exacerbou depois do estruturalismo. Continuo, ainda,
me perguntando que mal podem fazer as confissões? Os críticos
anticonfessionalistas defendem que a poesia deve ser considerada por sua lógica
interna, o que constituiria uma posição formalista. Como se sabe, o cânone para
Bloom é, obviamente, Shakespeare. Nos tempos do bardo de Avon dificilmente
seria possível que um poeta se exprimisse na primeira pessoa (será por isso que
abundavam as vozes impessoais?), primeiramente porque havia toda aquela
montanha de roupa a vencer até chegar ao pobre coitado que jazia lá no fundo. A
academia, e grande parte dos escritores tidos como relevantes, ainda hoje
abomina olhar o mundo através do “eu”. No texto em que desanca a poesia de
Plath, Bloom apela para um apótema (aforismo, para os não eruditos) de Wilde: “Toda poesia ruim brota de sentimentos
genuínos”. IMHO, escolha não muito confiável de fonte (o que, para alguém
da estirpe de Bloom, fala horrores). As blagues de Wilde, por mais
perturbadoras e certeiras, são apenas isso: blagues.
E Wilde já foi
muitas vezes acusado de se apropriar indevidamente de ditos espirituosos alheios.
Um dos mais famosos, “a hipocrisia é a
homenagem que o vício presta à virtude”, que todo mundo e seu pizzaoilo
credita a Wilde, na verdade pertence ao duque La Rochefoucauld.
Trocando em
miúdos, Wilde não paira lá muito acima dos grandes escritores que ao longo dos
tempos preferiram fazer graça a fuçar a verdade. Foi um, digamos, Gore Vidal do
século 19. Em De Profundis, carta que
escreveu ao ex-amante lorde Douglas durante sua (dele) estadia na prisão de
Redding e, como tal, destinada a fins eminentemente epistolares, Wilde lava uma
das mais patéticas roupas sujas da história da literatura mundial e já não
ostenta a empáfia do brilhante frasista que gostava de rir de tudo e de todos
até pouco antes. Se lamuriando numa cela imunda do medieval sistema carcerário
inglês (que depois de solto denunciaria em duas longas cartas a um jornal),
Oscar certamente já não podia reclamar que “toda poesia ruim brota de
sentimentos genuínos”. Parece que determinadas certezas que desenvolvemos ao
longo da vida no fim se mostram meros frutos das, digamos, circunstâncias. E
podem mudar, talvez radicalmente, assim que estas mudam.
E encerro a
participação de Oscar neste imbróglio lembrando que ele, Oscar, admirava Poe.
Terá tão revelador detalhe escapado ao poderoso cérebro analítico de Bloom?
Consumidor
exigente de poesia vertida pelas mãos nobres e certeiras de vates sãos e
lúcidos, Bloom acusa tanto Plath quanto Poe de histéricos, no sentido clínico
da palavra.
Sobre Poe,
menciona textualmente sua “ruindade
histérica”. Alhures, diz que, como crítico literário, não vê utilidade no
que se convencionou chamar de “crítica
cultural” e em sua opinião a má eminência (sic) de Poe resulta “do gosto
popular pela repetição, por melodias fáceis, pela intensidade exacerbada e pela
histeria por si só”.
Quanto a Plath,
tem a declarar que a “Insanidade
histérica (...) não é um sentimento que perdura em verso. A poesia depende do
tropo, não da sinceridade. Acabei de reler Ariel (...) e me vi murmurando de
novo o aforismo definitivo de Oscar Wilde: ‘Toda poesia ruim brota de
sentimentos genuínos’.” (Com perdão da repetição.)
Histeria é um
vocábulo frequente em seus ensaios. Nesse sentido só tenho a me regozijar que o
mestre jamais botará suas pupilas de águia em qualquer garrancho da minha
lavra. Na certa arreganharia o nariz e, enojado com tamanha carga de
sinceridade histérica, cobriria seus ariscos olhos com a mão desossada(*).
(*) apud. Naomi Wolf. A encantadora feminista americana alega ter sido
vítima de assédio sexual por parte do seu então educador em Yale. Ela o
convidara para um jantar em sua casa, que aproveitaria para lhe mostrar um livro de poemas que
escrevera. Sempre segundo a própria Naomi, Bloom passou a noite a sorver
alentados goles do inebriante Amontillado que ele mesmo havia levado ao jantar.
Assim que outros dois convivas se escafederam, a bela Naomi sentiu a citada mão
desossada pousar solerte sobre sua (belíssima, diga-se) coxa. Vejam vocês mais uma vez aqui a manifestação do acaso. O
Amontillado figura exatamente no conto The
Cask of Amontillado, escrito por quem? Sim, ele mesmo: nosso sempre chapado
Edgar A.P. Depois não digam que estou forçando a barra com esse papo de
coincidência. Quanto a Naomi, na época estava precisando duma carta de
recomendação do mão-boba para obter uma bolsa de estudos numa universidade e
fez boca de siri sobre a alegada tentativa romântica do professor. Sabem quando
foi que ela finalmente abriu o bico? Vintes anos depois...
No frigir dos
ovos, Poe tem contra si os votos dos supramencionados Eliot, Yeats, Lawrence e
Huxley.
A seu favor
contam Baudelaire, Mallarmé e Valéry (os quais, segundo Bloom, só apreciavam a
poesia de Poe por não terem bom ouvido para a língua inglesa.) Outros simpáticos
ao grande precursor do movimento gótico foram o escritor André Gide e o crítico
Paul Claudel. Mallarmé até o homenageou com o soberbo soneto Le Tombeau d’Edgar Poe, de 1816. E como
se ainda fora pouco, outro grande fã de Poe era James Joyce, que, estivéssemos num programa de calouros, facilmente poderia decidir a contenda no tie-break.
Digamos que Poe
e Plath tenham tido em comum algo que se manifestou com profunda contundência na
obra de ambos: o fascínio e a obsessão pela morte.
Cujo culto, para
Bloom, parece ser um pecado mortal.
Vou me abster de
mapear a obra crítica de Harold Bloom em busca de sinais de simpatia e
antipatia literárias envolvendo a relação de seus analisandos com a extinção.
Tampouco farei uma lista dos poetas suicidas que ele criticou. Quero apenas
anunciar — mais para efeitos que tal anúncio possa produzir em mim mesmo que em
qualquer pessoa que me leia — que a poesia de Sylvia Plath não se esgota no divã
dum psicanalista.
Uma das origens
da má-vontade de Bloom para com Plath é que a vida dela com Hughes serviu de
palco para um espetáculo cafona que no fim ofuscou a poesia de ambos. Sendo um dos
paradigmas da crítica literária dos últimos 60 anos, ao lado de George Steiner,
tendo criado o conceito do cânone shakespeariano e estudado tantos escritores
cuja existência real pouco ou nada significaram em suas obras, deve ser
inadmissível misturar biografia e literatura.
Críticos,
estudiosos, ensaístas do “porte” de Bloom buscam enxergar uma ciência atrás dos
versos dum poeta. Mais que alguém que expresse o que sente, procuram o artífice
que lavre sílabas, fonemas, versos e ritmos que deem a “forma” mais apropriada
ao “conteúdo” numa garimpagem cuidadosa, disciplinada que produza pepitas cujo fulgor nos ilumine o cérebro e nos inebriem os sentidos em jorros de luz que nos deixe entrever o que ocorre em nossa treva interior.
Um supererudito como Bloom não lê poesia mas se haure de dados em
forma de versos que são computados pela hiperinteligência que o habita qual um
animal inumano equipado com zilhões de processadores que instantaneamente
cruzam uma infinidade de informações para exibir ante nosso olhar deslumbrado a
mais intricada rede de referências literárias. Para justificar sua repugnância
aos poemas de Plath, Bloom cita dezenas de outros poetas que considera
superiores a ela, a maioria dos quais nunca li nem lerei, muitos dos quais não
conheço sequer de ouvir falar. Quem leu O
espírito e a letra, de Sérgio Buarque de Hollanda, sabe a que me refiro. Outro
ilustrativo exemplo pátrio de hipererudição com que você não consegue dialogar
enquanto lê é a superobra do super Otto Maria Carpeaux (aliás, o único
intelectual, até onde sei, que não hesitou em dar um belo esculacho em
Aldous Huxley por este ter bancado o supremo asno literário ao proclamar que “um criminoso nunca poderia escrever um bom
poema”.
Outro que sabe
do que estou falando é quem leu a inacreditável análise linguística Os oximoros dialéticos de Fernando Pessoa,
de Roman Jakobson (com ênfase no “á”, como gostava de pronunciar seu
despachante no Brasil, Haroldo (nenhuma coincidência) de Campos).
Não sei o que o
primeiro maior crítico do mundo teve a dizer, se é que disse algo, sobre a
poesia de Plath. Estou me sentindo até um tico melancólico pensando na peleja
que sintetizei dos simpatizantes versus antipatizantes de Poe. De que lado
fico, Joyce ou Eliot? Lawrence ou Mallarmé?
Por que tudo está tão quieto, que
é que escondem?
Tenho duas pernas e vou andando
sorridente
Eis com quem
fico.
Bloom e seu
clube de intelectuais profissionais não aceitam que o vendaval emocional de
Plath seja uma das fontes de sua poesia. Preferem que apenas a disciplina, o
senso de tarefa do poeta se envolva no fazer poético e que o produto final
possa ser medido pelos termômetros anímicos que têm dentro do cérebro.
Agora o
feminismo.
Leio em um site
perdido na bruma internética uma postagem de 19 de setembro de 2010 de alguém
que se identifica como Katrina. O comentário de Katrina se refere a uma foto em
que estão Plath e Hughes e é o seguinte:
“Não consigo imaginar um homem que pareça
mais perigoso do que este”.
São, Christ,
cinquenta anos de feministas a revolver o
defunto e a babar espuma pelos bicos de abutres, querendo picar o fígado do mulherengo Hughes que trocava de mulher
como quem faz a barba todas as manhãs. Alguém com o nome Robin Morgan chegou a
escrever um poema com o nome The
Arraignment em que acusa Hughes pelo assassinato de Plath e o condena por
receber direitos autorais relativos à obra da esposa e o ameaça de cortá-lo em
retalhos e depois enfiar seu pênis em sua boca (dele, não dela).
Uma busca no
google levanta milhares de links de exasperante bobajada feminista em torno da “vítima”
e sua infinda lamentação sobre as agruras duma mulher da década de 1950 e
início da de 1960. The Bell Jar foi
publicado na Inglaterra em janeiro de 1963, menos de um mês antes do suicídio
de Plath e só seria lançado nos Estados Unidos dez anos depois. Uma tal
Jeanette Winterson, das mais radicais, não se esquece de mencionar que à época Trópico de Câncer, de Henry Miller, era
relançado nos EUA após ficar interditado por muitos anos. Nas palavras de
Winterson, Miller é um misógino e seu livro é um “masterpiss” (nota dez pelo inspirado trocadilho) em que metade da
população vive na zona, todas as mulheres existem para dar (as ricas, para que
se lhes tirem a grana, as pobres, para enfrentarem a pia e o fogão). No fim
Winterson lasca: “como é que uma mulher
não ficaria louca num mundo desses? Como é que uma mulher talentosa qual Plath
não ficaria terminalmente deprimida ao ponto do suicídio? Valium não muda o
mundo. O feminismo, sim.”
Eis como a
literatura pode servir a propósitos específicos ao gosto do freguês. A poesia
de Plath, eivada de desespero, vibrante de nervos, convulsionada de violência
emocional e gana de viver dolorosamente frustrada a cada novo ângulo de seu
olhar, a cada nova promessa no toque dum recém-conhecido, densa qual a
antimatéria dos desejos e dos sentimentos impossíveis de realizar, a poesia de
Plath, cada um de seus consumidores, “grupos de estudo”, facções políticas e
acadêmicos indolentes fez e faz dela pretexto para corroborar suas posições à
conveniência da hora. A pequenez não tem limites, tem comprovado a física a
cada dia que passa. No caso de Plath, a grandeza idem. Eis como fazer gato e
sapato duma hipersensibilidade poética. Cinquenta anos depois se discute até
mesmo se os prozacs nas prateleiras das farmácias poderiam tê-la salvado. Há
advogados do sim e do não. Os últimos alegam que hoje em dia os índices de
suicídio estão bem mais elevados que naquela época. As feministas parecem se
dar por satisfeitas pelos apupos a que submeteram Hughes por anos a fio, praticamente soterrando a reputação dele como um dos maiores poetas da Inglaterra. Os
explicadores que pensam deter o segredo da mecânica da vida enxergam na poesia de Plath apenas os sintomas dum intenso desequilíbrio psíquico.
O crítico Steven
Gould Axelrod tem algo muito interessante a dizer sobre tudo isso: “O paradoxo de que os textos de Plath não
podem ser lidos através de biografias nem fora delas”. Para puristas feito
Bloom, um acinte.
Ontem caiu um
meteoro na Rússia e não na minha cabeça, como tanto esperava.
Não, você não dormiu
e acordou lendo outro texto. Ainda sou eu falando de Sylvia Plath.
Às vezes também
chego a picos de gênio, como em blogando 0057. Acontece, em casos como o meu,
sem querer. Quem poderá me crucificar? Não temos, não tenho culpa de nada.
Quando nasci pensei estar vindo a um mundo em que poderia usufruir dum mínimo
de liberdade, livre arbítrio, laissez-faire, não este inferno em que estou
hoje, povoado de robôs facebookianos e alimentado de ar irrespirável.
Vou ficando por
aqui antes que estes vagos devaneios a fluir pela noite já escura deste
fevereiro desenxabido ameacem virar dissertação de mestrado. Logo eu, que mal
conseguia produzir duas linhas quando a professora Ivone passava a dissertação “minhas
férias”.
Depois de tanta
filosofice, ainda não sei por que raios fui me meter a comemorar o aniversário
da morte de Sylvia Plath. Tenho repulsa por comemorações, sejam a que título
for. A pobre Plath não devia nem ter nascido, pra começo de conversa. Sofreu
pra burro.
Como todos nós
sofredores, à toa.
Apesar dos
sentinelas da vida alheia, os críticos, chegou perto de nos explicar, a nós
zumbis cheios de afoiteza e sofreguidão, por quê.
Plath não devia
ter nascido nem ninguém. Este inexplicável planeta ficaria assim destituído
destes esdrúxulos seres vindos do nada a carregar uma melancia em cima do
pescoço, balangando com a elegância dum boneco-chamariz duma loja de automóveis
esses dois apêndices superiores que nos saem do ombro à medida que mexemos a
custo esses outros dois apêndices inferiores, divididos por desconexas
articulações, sem rumo certo.
O meteoro que
mirou os coitados dos russos que passam a vida no gelo inebriados de vodka
pesava sete mil toneladas, leio no Estadão. Jesus, bem menos do que eu. E não
me pergunte como pesaram. Só sei que eles sabem pesar um meteoro mas não sabem
tirar das ruas de Sampa a molecada que cheira cola e baba coca. Certo, Bloom
torceria seu narigão que nunca para de farejar o vento à procura do grande
cânone mundial ante tão sentimentalóide declaração. Quer entrar pra patota?
Então seja comedido, discreto, circunspecto. Mantenha o olhar perdido na
distância. Longe das mazelas demasiado humanas. Melhor: dispa-se de toda
humanidade. Só assim poderá transvazar a poesia genuína, isenta dos nossos
hormônios, lavada das nossas excreções, purgada dos nossos horrores. Sobretudo,
não se esqueça de que a poesia pertence ao reino e ao reinado da todopoderosa
palavra, onde nasce, onde morre. Por nossa patética vez, nascemos sem palavra e
morremos sem palavra e por isso mesmo nos cabe a nós poetas exatamente aquela
que não nos coube para expressar o que somos.
Ou não expressar
o que não somos.
Pra encerrar,
uma resposta que minha cozinheira Oraldina (podem rir mas é verdade) sempre me
dá quando reclamo da comida:
“Não gostou, é? Então para de criticar e vem
aqui no fogão fazer melhó!”
Pronto, acabei
de inventar o ensaísmo confessional.
Uma vez, alguém me perguntou o que era a poesia. Eu disse que não sabia e que o melhor que tinha para apresentar era uma modesta ideia: Poesia é aquilo o que os poetas fazem.
ResponderExcluirBloom e muitos outros podem escrever o que quiserem acerca da poesia e das circunstâncias dos poetas, que a Poesia, essa vive bem fora dos seus elevados pensamentos.
Ufa... li tudo, e com gosto! Será que a Oraldina não é uma poeta tão popular quanto Sylvia Plath? Vou correr atrás dos poemas dessa poeta, apesar de tantos "nãos geniais" de críticos literários. Só sei que se toda poesia ruim brota de sentimentos genuínos, essa deve ser mais que bela, deve ser sublime, divina. Amo a verdade nesse mundo de hipocrisia. Sua mais nova fã. Um grande abraço!
ResponderExcluirÉ uma praia um tanto diferente da minha, mas gostei! vou le-lo com regularidade pra aprender... valeu!
ResponderExcluirAdorei seu texto Wilson! Nunca mais acessei lá a comunidade do Orkut, mas lembro bem da forma que você escreve! Adoro!
ResponderExcluirAbraço!
É que a tese do nosso querido Bloom não é uma abstração sem sentido. Ele se baseou em sua própria vida para criá-la. Como ele nada pode criar que não esteja à altura de Shakespeare, limita-se a criticar os que não sofrem da mesma ansiedade de influência e têm a coragem de lançar seus pensamentos no papel. Mal sabia ele que, estabelecendo o cânone Shakespeare, não fazia senão chover no molhado. Não li o livro de Bloom, mas penso que, no mínimo, ele deveria levar em conta e responder ao seguinte juízo de David Hume – já que estamos falando da literatura de língua inglesa – sobre o bardo de Avon: "Shakespeare deve ser visto como um prodígio, se é considerado como homem nascido numa época rude e educado da maneira mais pobre, sem nenhuma instrução, nem dos livros, nem do mundo; representado como poeta, como alguém capaz de proporcionar entretenimento apropriado a uma audiência refinada ou inteligente, temos de descontar muita coisa nesse elogio. Em suas composições, devemos lastimar que muitas irregularidades e até absurdos possam com tanta freqüência desfigurar as cenas animadas e apaixonadas que nelas encontramos; e ao mesmo tempo talvez admiremos tanto mais essas belezas em virtude de estarem cercadas de tais deformidades. Ele freqüentemente toca, como por inspiração, uma notável peculiaridade de sentimento, condizente com um caráter singular, mas não pode sustentar por muito tempo uma adequada sensatez de pensamento. É abundante tanto em expressões quanto em descrições nervosas e pitorescas, mas em vão buscamos nele uma dicção pura ou simples. Embora seja um defeito importante, sua total ignorância de toda arte e conduta teatrais, porque afeta mais o espectador que o leitor, pode ser mais facilmente desculpada que aquela falta de gosto que com freqüência prevalece em suas obras, e que somente por intervalos abre caminho às irradiações do gênio. Ele certamente possuía um gênio grande e fértil, e um gênio igualmente exuberante na veia trágica e na veia cômica, mas deve ser citado como prova de quão perigoso é se apoiar unicamente nessas vantagens para obter alguma excelência nas artes mais finas. E pode até restar uma suspeita de que superestimamos, se isso é possível, a grandeza de seu gênio, da mesmas maneira que com freqüência os corpos aparecem mais gigantescos em virtude de serem desproporcionais ou malformados” (David Hume, The History of England).
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