Evan Gélio

Odeio ir no dentista porque odeio compromisso, odeio tudo que interfira na minha rotina, fico imaginando como é que os favelados das “comunidades” do Rio aguentam todo santo dia aquela erupção de tiros e metralhas que impede os pobres coitados de se dedicar a si e ao momento presente.
É essa em essência a razão por que não sou igual à maioria das gentes. Os caras por aí têm essa para mim insondável facilidade de cair em programas e sistemas e no dia seguinte já estão esquematizados dos pés à cabeça, que nunca mais se recorda de um dia ter tido uma ou outra dúvida sobre isso e aquilo.
Há uns anos fiquei meio atônito quando constatei que mesmo esses robôs são movidos a sentimento quando me contaram que um conhecido comum caíra numa baita depressão depois que chegara em casa numa noite de domingo e dera de cara com a esposa pendurada pelo pescoço numa viga da sala, que era toda decorada em estilo country. Aposto que na hora ele pensou que devia ter contratado outro arquiteto de interiores.
Lembro de ter ficado quase tão abobalhado quanto o coitado, que, na minha óptica (se preferir, sob meu prisma), desde o nascimento vivia preocupado é com faturar o máximo possível e assim poder “ter acesso” a essa inesgotável bateria de badulaques que as Casas Bahia disponibilizam aos endinheirados.
Outra coisa de que me lembro, e relativamente bem, é quanto detestava sair de casa já aos três parcos anos de idade e lembro também que a cada vez que papai e/ou mamãe me obrigava a acompanhar a família para mais uma excursão fatidicamente e mortal entediante (atenção, advérbios caóticos no caminho), jurava num sussurro entredentes a mim mesmo que a vingança tarda mas não falha. E eis que minha hora finalmente chegou. Torço para que a emancipação infantil se dê cada vez mais precocemente a cada geração até que os pimpolhos finalmente possam subverter a ordem e dar um basta definitivo ao mundo.
Sair à rua me deixa virtualmente aterrorizado. Não, não me venha com diagnósticos psicológicos, imploro. Você estava a ponto de me sentenciar com síndrome disso ou daquilo, não estava? Sei como é. É o que todo mundo e as enfermeiras do Hospital do Rim, onde há seis anos fui alegremente subtraído do meu rinzinho direito, pobrezito, faz hoje em dia. O cabra se mostra diferente? Sindromiza el maricón! Diz que odeia o que quer que seja? Terapia no safado! Apresenta sintoma de medo, pavor, mania, neurose, psicose, tendência ao suicídio? Debocha do sicofanta, manda ele trabalhar que isso é falta do que fazer.
Sempre que boto o pé fora de casa olho pros dois lados. Minha ínclita Zezeí faz o mesmo, pois também morre de medo do mundo exterior. Antes de ontem caímos no sono no mesmo momento à tarde e tivemos o mesmo sonho, eu, que era maratonista, ela, que era galgo e tão logo nos víamos na calçada saíamos em disparada pela cidade e corríamos por horas a fio em perseguição ao fogo-fátuo até cairmos resfolegantes de exaustão. Acordamos igualmente no mesmo instante e trocamos um olhar grávido de significação e nos reconfortamos mutuamente por ainda ufa! Sermos um do outro.
Meu dentista tem uma bíblia aberta na sala de espera do consultório, pousada sobre um daqueles pedestais próprios para bíblias. Li a bíblia há umas quatro décadas, ou melhor, li as partes que acho mais interessantes, e sempre que vejo uma lamento que seja “estudada” apenas por esses símios que ficam na tevê tirando grana dos trouxas e quase ninguém a leia como um dos mais vigorosos testemunhos da odisseia humana neste vale etc. A passagem que prefiro é, naturalmente, a do Jó. Depois do Jó, deus devia ter limitado radicalmente a produção de escritores no pedaço.
Enquanto aguardo a secretária divide a atenção entre o celular e a tevê encarapitada no alto da parede, voltada para a mesa dela. Me esforço com tudo que posso para me abstrair dos efeitos nocivos do chupador de almas mas, você sabe, é impossível, mesmo pr’um másculo feito eu. A tevê te suga, digere, processa e reprocessa, regurgita e cospe fora teu espírito qual um caroço ressequido de pêssego sem viço e quando se dá conta você já tá lá sentado com aquele olhos esbugalhados de macambúzio, dando todos os sinais de que seu grande plano sempre foi se render ao que quer que te sequestrasse de você mesmo(a). Caraca, que é que essa garotada tanto tenteia naquelas teclas? Terão descoberto o enigma d’alguma pirâmide?
O interfone toca. A operosa sentinela dos mistérios do mundo faz “hum-hum” e ergue o olhar curioso pro meu lado. Desliga. Aperta mais uma teclinha. Torna a me fitar, condescendente. Por fim, proclama, é sua vez. E o fabuloso mundo das vezes que são minhas se abre à minha frente.

Minhas mentiras são verdadeiras

Tem algo irrecuperável quando você retorna da morte. Deve ser mais ou menos como resistir a um desses medonhos presídios brasileiros ou dum manicômio onde você passou anos à solta num pátio a recitar uma reza insana em oferenda a um deus carrasco que nunca para de te exigir teu sacrifício lunaticamente. Sílvia, anjo meu, voltei da morte. Quem volta da morte não volta. Fica lá e aqui, vira ubíquo, começa a gostar de Pessoa, começa a pensar que a multiplicidade de personalidades é a única solução para o embrulho desembrulhado. Faz um esforço alucinado pela lucidez, aspira desesperadamente pelo momento presente mas a memória impera com suas negras asas do que nunca morre. Por que será que a memória é mais forte, Sílvia? Quero crer que seja mais um item na extensa lista de requisitos técnicos de deus. Ele quis que, acima de tudo, nunca esquecêssemos. Por quê? Para quê? Que é que o demônio ganha com isso?

Poetas e entertainers

Antigamente brasileiro da gema só dizia o que pensava brincando. A sério, nunca.
Hoje parece que temos uma nova modalidade de brasileiros “francos mas indiretos”: os que só dizem o que pensam através da poesia. Se alheia, melhor. O risco de comprometimento é mínimo.
Quando o brasileiro diz o que pensa brincando, os outros veem que está fingindo. Quando diz a sério, têm certeza de que está brincando. Em ambas as hipóteses praticamente não há riscos.
Para os estrangeiros que tentam nos entender é um enigma e então os forasteiros fazem aquela cara de interrogação. Aí quem fica espantado somos nós. Mas por que cargas d’água esses gringos não nos entendem? Somos tão simples. Tão diretos e francos! Eles é que complicam tudo com aquela mania de dizer o que pensam.
Brasileiros não toleram franqueza.
Os brasileiros são campeões dos assassinatos. O país onde vivem é famoso pela guerra “surda” que come solta ceifando vidas e ninguém assume. Cinquenta mil, cento e oito patrícios pereceram em latrocínios, execuções e desavenças no annus mirabilis de 2012. Nas ruas e estradas, quarenta e três mil patrícios esticaram a canela após atropelamentos e acidentes. Entre homicídios e trânsito, quase cem mil pessoas são abatidas no matadouro. Como dizia aquela musiquinha da década de sessenta, é uma terra abençoada por deus.
Alguém liga? São estatísticas, cara. Quem gosta de números?
Só falam quando uma das baixas é da família ou do círculo de conhecidos. Deixam o trabalho sujo para os datenas escrotos que vicejam e chafurdam no sangue ainda não coagulado no asfalto. A lamúria mais frequente de quem perde um parente é “Vai virar mais uma estatística”. Antes, tudo bem, estava longe. De repente aquele número maldito passa a fazer parte da vida do distinto, ele perde o chão. O brasileiro é o rei do rodeio e não estou falando daqueles torneios primitivos em que cowboys torturam touros e por essa mesma razão vivem rodeados de cowgirls. A guerra é mascarada, o roubo é mascarado, o extermínio é mascarado, o racismo é mascarado. Temos a polícia que mais executa suspeitos no mundo mas o Congresso se recusa a discutir a questão de cara limpa e a botar a pena de morte em votação. Os parlamentares se tratam de vossa-excelência na tribuna enquanto mantêm quadrilhas de assalto ao Tesouro pelas nossas costas e a ousadia do eleitor se resume a postagens indignadas em fóruns digitais SOB A SEGURANÇA DO ANONIMATO. (Bando de pixotes que querem mudar o mundo mas não se atrevem sequer a mostrar a cara.)
Não é só nas instituições que o brasileiro se mostra pusilânime e covarde, naturalmente. O mesmo sujeito que reclama dos políticos da boca pra fora costuma atirar embalagens pela janela do carrão do ano ou até na frente dum exército de jornalistas, tal como fez outro dia o ínclito prefeito do Rio, não se digna a recolher o cocô que seu totó de raça, pelo qual pagou cinco pilas, faz na calçada, estaciona em fila tripla, ameaça atropelar pedestres na faixa com seu possante importado que bebe um litro de gasosa por quilômetro, passa no vermelho, dirige bêbado, suborna o guarda. No fim de semana vai ao cinema para se mostrar sensível aos vizinhos, à namorada, ao namorado e encerra a noitada num cantinho da hora consumindo parcimoniosamente os quitutes sofisticados dos que sabem acompanhar a moda e poupar os recursos planetários. Grande parte é funcionário público, vive encostado de alguma forma no governo, se inscreveu numa batelada de concursos federais, estaduais e municipais e está estudando há cinco anos para descolar uma boquinha às custas dos outros pagadores de impostos.
Se destituído, o cidadão dedica a vida a se inscrever nas diversas “carreiras profissionais” que atendem pelo nome de “programas sociais”, o novo sinônimo de curral eleitoral. Na próxima eleição ele vai dar seu voto ao larápio que lhe prometer mais mamatas. Há anos vem ganhando de mão beijada remédio, consulta médica, hospital, creche, escola, livros, ensino técnico, leite, cesta de alimentos. Só que as esmolas nem sempre se concretizam como planejado. Então o destituído fica furioso e reclama pros datenas que os políticos são uns safados e só querem saber dele um mês antes da eleição. Então, quando chega a tardezinha, pega o saco de lixo, sai pisando no barro que cobre a rua e ao chegar na esquina dá sua contribuição ao monturo que vem se acumulando há meses ali pertinho de seu barraco e que gera moscas, baratas e ratos e, claro, o mosquito do dengue, que pica ele, pica sua mulher, pica seus filhos e então fica furioso e faz aquelas caretas de injustiçado para as câmaras dos datenas e então ambos, ele e o datena, amaldiçoam os políticos e poder público e se perguntam até quando vamos tolerar essa pouca-vergonha. (E não esqueçamos que o sr. Datena é amigão do peito do sr. da Silva, pois é.)
Que gostoso viajar na irracionalidade brasílica. Mas não posso me deixar arrastar por esse discursinho de revoltado, essa indigência é o que testemunho o tempo todo no meu dia-a-dia e me dá engulhos. Há décadas decidi não desperdiçar minhas parcas energias com o que já na infância determinei não merecia meus pensamentos.
O que comecei falando foi a confusão entre entretenimento e poesia.
Me assombra que precise fazer este tipo de ressalva.
Será que os que se proclamam poetas ou consumidores de poesia ou diletantes não sabem?
As pessoas a que me dirijo são adultas, supostamente maduras, provavelmente leem poesia há anos, talvez há décadas, que decepção ver que ainda não sabem o que é poesia. Ou literatura.
Sei eu o que é poesia?
Muito raramente, sim. Em geral, não logro senão uma patética especulação. Não apenas na minha prosa mas também nas próprias vezes em que imagino estar sendo poeta.
Como fazemos tantos de nós em tantas ocasiões sobre tantos assuntos que nos tantalizam, não sei muito bem o que é. Sei mais o que não é.

Posso asseverar que, na minha concepção, não é o que fazem os usuários de redes sociais que despejam em suas páginas versos de Mario Quintana e Clarice Lispector e Fernando Pessoa como se fossem receitas das especiarias que fazem o deleite dos leitores da Vejinha.

Alguém tem o celular da Melanie?

Outro dia mandei prum rapaz um poemeto acompanhado do seguinte comentário: "Fiz uma porcaria pra você".
Ele ficou puto e só então me toquei, é o tipo de gafe que cometo amiúde úde úde, nunca consegui prestar muita atenção nos ritos sociais dos humanos, muito menos nos mecanismos pelos quais eles se desencadeiam. No momento em que escrevi tal comentário pensei, bom tudo que escrevo é porcaria e achei absolutamente natural, que diferença faz uma asneira literária a mais ou a menos?
John Denver agora, de novo. All my bags are packed, I'm ready to go, I'm standing here outside the door, I hate to wake u up to say gooobye. Duca, né? Odeio te acordar só pra dar tchau. Poesia não é só dinamitar os significados possíveis da palavra pra criar a porra do arrebatamento. Há umas semanas tirei o dia pra ler um livro que está disponível inteiro num website americano, parece que o nome do autor é David McGowan ou que tal. (Preciso me livrar dos que-tais.) Trata de (mais) uma das teorias conspiratórias em que nossos irmãos iankes tanto se amarram. Acabaram meio tantãs da cabeça de tanto lixo fantasioso de Hollywood. Nem tudo é TC (teorias conspiratórias), porém. Na época da Guerra Fria o pavor de levarem uma bomba de hidrogênio no meio do rabo tinha correspondência na realidade. Conheci então uns americanos que tremiam quando tocávamos no assunto. Se Kruchev não fosse aquele sujeitinho folgazão, podia muito bem ter dado o pontapé inicial na refrega nuclear durante o episódio da Baia de los Porcinos em Cuba. Kennedy era infinitamente mais belicoso e valentão que o russo e não teria hesitado em retaliar um ataque com o full power de seus mísseis intercontinentais e dos incontáveis bombardeiros e submarinos que rondavam, e ainda rondam, todo o espaço aéreo e todos os oceanos do planeta. Depois da Guerra Fria as TCs vêm prosperando com base no poder militar descomunal dos EUA e da impossibilidade de baixar um controle mínimo sobre os órgãos de inteligência. Provavelmente nem o presidente sabe quantos são seus funcionários e suas missões e funções e quanto levam de recursos dos pagadores de impostos. Essas agências têm vida própria. Ninguém sabe o que podem fazer se fugirem à rédea. Daí as TCs, que em geral envolvem planos mais ou menos mirabolantes de manipulação do mundo por parte do governo. Mas, ao que parece, nada brutal ou maquiavélico além do que a administração lá deles fosse capaz de implantar. Nós aqui no Brasil corremos riscos muito mais concretos de ver nosso mundinho solapado por stalinistas do naipe de Joe Dirceu, Marilena Chauí e congêneres. O que nos salva da cubanização é que a) somos um país grande e social e economicamente diversificado, de classes médias relativamente pujantes – embora idiotas –, o que dificulta pacas a imposição dum regime totalitário do tipo tentado por Lulla e sua gang, e b) o que os golpistas sob a batuta de Dirceu querem no duro é viver à farta e no bem-bom a usufruir das delícias que só o capitalismo oferece, sendo em sua maioria constituídos de ex-sindicalistas e ex-pé-rapados que desde cedo na vida confundiam inveja e despeito com ideologia e gana de mudar o mundo. Haverá algo de mais ridículo e patético que Dirceu e cupinchas de braço esquerdo erguido e punho crispado fazendo a saudação socialista, quando sabemos que o sujeito é hoje um dos caras mais ricos do país, ao lado do padroeiro dos larápios do Brasil?
Esse livro do tal de McGowan que achei na rede até que é gostoso de ler. Tanto, que acabei traçando até a última linha das duas centenas de páginas. McGowan começa declarando que a geração hippie nascida em Los Angeles – e não no Greenwich Village de New York como mamãe pensava – nos anos sessenta do século passado foi estimulada e forjada por órgãos de segurança dos EUA. Objetivo: alienar a juventude do país a ponto de criar uma massa acrítica facilmente manipulável. Método: criar e disseminar elementos culturais de consumo fácil e imediato que caíssem rapidamente no gosto dos otários e desviassem sua atenção das gatunagens e falcatruas econômicas e políticas levadas a cabo pela elite. Incluída aí estava a fabricação e a distribuição extensiva de LSD e outros elixires destinados a deixar a moçada babando qual zumbis. (Assim como outras TCs, essa também defende que o governo de Tio Sam planejou substituir a maconha pelo ácido no gosto popular, pois, de acordo com esses conspiratórios, a erva “abre a percepção”, ao passo que o LSD desatina a vítima além do autocontrole. Sim, o efeito desbundante do ácido é efetivamente verídico, mas achar que a marijuana aguça os neurônios só pode ser ideia dum puxador de fumo com as faculdades mentais já detonadas pelo vício; todos os maconheiros barra-pesada que conheci na minha vida ficaram retardados a olhos vistos e em pouco tempo; o primeiro sintoma deletério produzido pela cannabis é diluir a capacidade de concentração, e sem ela podemos dar adeus a qualquer chance de desenvolver atividades produtivas, a política inclusa. O maconheiro veterano é antes de tudo um chato que se torna ou macambúzio ou falastrão a papaguear a mesma arenga por horas a fio, que sempre que te encontra torna a repetir e repetir como se estivesse falando pela primeira vez. É por isso que me atenho aos destilados; levam mais tempo pra destruir as células do sistema nervoso. Além do mais, o álcool é um dos melhores conservantes que conheço.)
A segunda menção importante no início do livro de McGowan é um incidente ocorrido em agosto de 1964 envolvendo um destróier americano e três barcos lança-torpedos norte-vietnamitas no Golfo de Tonkin, no Vietnam. A embarcação militar americana era comandada por um almirante de nome George Stephen Morrison, que posteriormente relatou ao comando que seu navio fora atacado pelos barcos “comunistas”. No dia seguinte, com base em tal relato, o Congresso dava ao presidente Johnson autorização para tomar qualquer iniciativa bélica que a seu critério se fizesse necessária para defender interesses de países aliados na região. Documentos sigilosos na época e hoje de domínio público revelam que o relatório do almirante era parte duma farsa concebida pela inteligência militar e pela Presidência para forçar a declaração de guerra dos EUA contra o Vietnam do Norte, então apoiado por China e URSS. Segundo o livro, o navio comandado pelo almirante patrulhava o Golfo Tonkin, no Vietnam,  quando, segundo a versão fraudulenta, foi hostilizado por fogo vietcong.
Agora vem o importante para a teoria conspiratória de McGowan, que é o que nos interessa aqui: o almirante George Stephen Morrison tinha um filho chamado Jim Morrison, aquele do Doors, banda que surgiu em meio à comoção cultural do meado da década de sessenta.
O autor segue desfiando sua versão da forjaria de mentes patrocinada por Tio Sam, agora dirigindo seu foco a um sujeito que atendia pelo nome de Francis Zappa. Mr. Zappa era um especialista em armas químicas lotado no Edgewood Arsenal, sede do programa americano de desenvolvimento de armas químicas. Zappa era casado c’uma tal de Gail Zappa, cuja árvore genealógica incluía uma longa lista de oficiais da Marinha, entre eles seu pai, que devotou a vida toda a pesquisas secretas de armamentos químicos para a força. Francis e Gail tiveram um filho, a quem batizaram de Frank Zappa Jr.
Outro roqueiro suspeito de trabalhar para o governo era John Phillips, criador e líder da banda Mammas & Pappas. John era filho do capitão do U.S. Marine Corp Claude Andrew Phillips. E, pra aumentar ainda mais as suspeitas do autor, frequentou várias escolas preparatórias da elite militar americana na região de Washington, D.C. Em seguida  foi designado para fazer a cobiçada U.S. Naval Academy de Annapolis.
O roqueiro-espião seguinte é Stephen Stills, um dos criadores dos grupos Buffalo Springfield e  Crosby, Stills & Nash. Segundo McGowan, Stills compôs um roquinho denominado Bluebird que, “por coincidência ou não, foi o mesmo nome dado ao programa secreto MK-ULTRA. Como não podia deixar de ser, Stills também provinha duma família de militares. Passou parte da infância no Texas e em outras foi levado dum lado a outro pelo pai milico por diversas longitudes e latitudes como El Salvador, Costa Rica, Zona do Canal do Panamá e outras regiões da América Central. A educação formal do jovem Stephen foi proporcionada por escolas e colégios em bases militares e em academias da elite militar americana.
“Coincidentemente”, sempre de acordo com McGowan, a banda Crosby, Stills & Nash era integrada por um segundo dublê de tocador de guitarra e agente secreto: David Crosby. Esse era filho do major Floyd Delafield Crosby, formado na academia de Annapolis e oficial da inteligência militar durante a 2ª Guerra.
Bem, a lista vai longe. McGowan, citando ainda dezenas de nomes do rock e do country americanos, fez um levantamento trabalhoso d’uma grande série de eventos que comprovariam sua TC. Há uma parafernália de referências às poderosíssimas agências do governo, academias e parentes de rockeiros servindo nas fileiras do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Tem também inúmeras alusões ao doido varrido e assassino Charlie Manson, que arregimentou uma chusma de psicopatas à qual denominou a “Família”. Para quem não sabe ou não se lembra, Manson e sua troupe estripou a bela atriz Sharon Tate e outros infelizes num ritual macabro realizado numa das mansões dum lugarzinho pitoresco de nome Laurel Canyon, um dos vários bairros elegantes de Los Angeles. A Família viria a cometer outros quatros rituais sanguinários no transcurso de cinco semanas. Os rockeiros acima e muitos outros não citados eram habitués do asilo de lunáticos mantido por Manson.
A série culmina com a “descoberta” de que o LSD foi introduzido entre os músicos de rock muito antes do que se imaginava por um lituano chamado Vito Paulekas e um comparsa de origem italiana cujo nome não vem ao caso. O tal Paulekas comandava uma turma de dançarinos instalados num ponto concorrido de Laurel Canyon e era tido como guru pelos rockeiros e um bando de gente que frequentava o studio de “arte” do sujeito, onde, presumem alguns, certos grupos de rock fizeram sua iniciação no estilo de vida que ficou conhecido como sexo, drogas and RR. Mas, infelizmente para a tese conspiratória de McGowan, Paulekas não descendia de nenhuma linhagem da caserna e não passava, como reconhece o próprio escritor, dum vagabundo pé-de-chinelo esperto o suficiente para manter um estoque permanente de mulheres à disposição. McGowan nos informa que o homem era sexualmente insaciável. Tarado e maluco que fosse esse Paulekas, McGowan não soa convincente quando tenta conectar o guru à comunidade de inteligência americana. E aí, me parece, vai por água abaixo sua bela dissertação que, não fosse furada, até daria um belo dum livro.  A cada linha que lia, me ocorria que os EUA são a Esparta moderna, tendo se tornado, por vocação e espírito de liderança, o país mais belicista do mundo. Os EUA são uma máquina de guerrear pelo menos desde o meado da 2ª Guerra Mundial. Só para fins de comparação, seu efetivo militar não chega à metade do chinês, mas seu poderio sobrepuja em várias vezes o do resto do mundo somado e, obviamente, o recurso humano hoje é cada vez mais secundário sob os novos cenários brutalmente tecnológicos. A economia americana se move à base de armas e pesquisas voltadas para fins bélicos. O militarismo faz virtualmente parte do cotidiano lá deles. Portanto não é preciso ser crânio para concluir que grande parte dos cidadãos americanos ou estão diretamente envolvidos em algum tipo de atividade militar ou têm alguém da família ou próximo metido até as orelhas nesse que é o grande hobby do país. Mas, naturalmente, nem seria preciso fuçar fundo na especulação. Basta atentar um tico para os personagens que participam da suposta “conspiração”. São, absolutamente todos, junkies. Muitos deles partiram para o outro mundo via overdoses. Outros, mesmo tendo sobrevivido alguns anos, sofreram o cão. John Phillips, por exemplo, passou uma temporada de décadas no inferno sob efeito de LSD, maconha, cocaína e, sobretudo, heroína. Já na lona, teve de encarar um transplante de fígado e continuou a consumir drogas e álcool mesmo depois disso. Logo depois de morrer, sua filha, MacKenzie Phillips, lançou um livro denunciando que serviu de amante dele ao longo de onze ou doze anos. John Phillips é o rockeiro típico daqueles tempos e de todas as épocas, um músico amador com domínio escasso da técnica e da arte que no começo detém energia bastante para compor umas cançõezinhas tatibitates e, assim que entra nas paradas, se enche de grana e de tédio e de picadas. E é assim até hoje, não é mesmo? É o que os preguiçosos chamam de cultura “popular” mas que não passa dum gigantesco esquema de venda de lixo engendrado pela indústria das gravadoras e dos estúdios de Hollywood. Pensar que gente dessa laia seria capaz ou teria forças para orquestrar um gigantesco programa de manipulação das massas é risível. É o mesmo que imaginar que Xiroró e Xoxa e Tiririca pudessem ter a capacidade de conceber um plano prodigioso para entorpecer as pessoas e convencê-las a comprar... (Epa! Mas é exatamente isso que fazem. Estará tal plano em andamento e eu não sabia?)
Basta olhar em volta. As massas precisam de qualquer método manipulatório e alienante mais sofisticado? Noventa e nove por cento das ovelhas às tontas no meio da manada estão hipnotizadas sob o sertanojo, o roquinho rastaquera, a trama babaquara e fatidicamente rebarbativa da novela, o filminho respingando a efeitos especiais e vazio de alma e vida que o populacho toma por “arte”, o lixo que lhes enfiam até o talo no esôfago à guisa de cultura.
A manada já está devidamente amansada. O governo dá o pão, a indústria cultural dá o circo. O sistemão é mil vezes mais eficiente do que qualquer trama fantástica ou esdrúxula. A maioria está há tanto tempo tão afastada do contato com sua própria pessoalidade, que foi totalmente despojada da habilidade de discernir o bom do ruim. Viramos imensos sacos atulhados de produtos e dados e informações que vamos engolindo sem a mais ínfima noção se servem ou não para o “nosso” sistema, se são ou não bons para “nós”, se nos ajudam ou não a viver melhor. Não temos mais ideia do que seja prazer ou bem-estar. Não temos mais ideia do que queremos ou do que somos.

Da série "Lições que não sei aprender"

Ver é
Testemunhar um poema
Que nasce

Olhar é
Observar o poema
Que cresce

Escutar é
Dormitar sonhando
Com a música

A assistir
(tua partida)
Engolindo em seco

Ante o natimorto
Poema ido sem
Deixar palavra

Minha entropia particular

A casa caiu!
Me volto.
Um sujeito aponta um revólver para o meu peito. Levo alguns segundos até discernir. É um ladrão.
A casa caiu!
Não sei se ergo os braços. Se erguer, erguer até onde?
Vai enfiando a mão nos meus bolsos. Fuça.
Não tenho nada.
Se disser que nunca tive nada, acreditaria?
E se acrescentar que a poesia não é esperança.
Mas a poesia é a única esperança?
Para minha tristeza ele dá meia-volta e se afasta apressado, sem me xingar, sem me dar a coronhada na cabeça que vítimas sem nada como eu merecem.

É?

O poeta é um frustrado que busca
e busca e
busca

o sucesso dum verso que não lhe roube o conforto da frustração.

O poeta é um sujeito amargo que
busca e
busca
e busca

a musa do beijo a lhe lembrar que a doçura existiu um dia e ainda existe
mas não o sufoque sob a gota enjoativa do mel

O poeta é um desencantado
um desencantado premeditado
um desencantado cioso de seu desencanto
cuja garganta jamais emitiu uma gargalhada
cuja boca ri uma vez a cada dez anos
cujos lábios, quando sorriem, sorriem apenas no escuro
de preferência quando ele está dormindo
um sorriso furtivo
um sorriso traidor

Ah, o poeta é um
penitente
calculista
disciplinado
dependendo, até
masoquista

a guardar eternamente o encanto para o último minuto
derradeira cereja do pomar
de perfume discretíssimo hostil ao olfato
e seiva de infinita rarefação, que tão logo
nasce é raptada pelo ar

Marimacho Coralíneo. Finalmente.

Como todos meus quase três leitores haverão de se lembrar, tenho aqui em casa um escada que descobri não faz muito tempo (uns dez ou doze anos no máximo).
Agora vou lhes contar um segredo, dos legítimos, meus quase três leitores: um dos raros, raríssimos hobbies que cultivo é passear nessa minha recém descoberta escada em alguns fins de tarde no inverno, em alguns comecinhos de noite no verão.
Parêntese. Há uns anos – uns dez ou quinze, talvez – eu sem dúvida diria crepúsculo, lusco-fusco e outras baboseiras poético-cafonas que tais (god, preciso dar um fim nos que-tais). Felizmente me livrei desse hábito. Hoje, como deixo claro acima, me limito a fim de tarde e começo de noite, o que é desesperadamente pobre e me dá inconcebível saudade dos meus tempos de crença em mim (antes de deixar de acreditar em mim tinha deixado de acreditar no mundo, e antes disso, na vida. Mas não quero falar disso agora, embora fale disso quase o tempo todo.
Volto à escada.
Meu maior – um dos – barato é descer e depois que estou lá embaixo, subir de volta.
Vocês também haverão de se lembrar que não há iluminação nessa escada. Quando a desço, se a subo, é absolutamente no escuro.
E se a desço e quando a subo no escuro, é totalmente bêbado.
Minha escada não tem corrimão.
Não sei quantos degraus tem minha escada.
Sabe o que sei da minha escada?
Sei que quando estou lá no meio, ou mais ou menos
me abstraio e
me distraio
e já tudo deixa
de ser ensaio
e acontece pra
valer
Mais um degrau
Sempre um degrau mais
Sei do que preciso
Preciso vencer
Este medo
Esta náusea e ânsia
De confrontar minha
Infância
Um mais
Só mais um
Devo retroceder outro?
Bien sûr. Quem sabe
Não estará aí o segredo?
Não sei ser pequeno
Não sei ser grande
Não sei se desço
Não sei se subo

Paro
Olho
Pra cima
Pra baixo

Inda bem que estou bêbado
Como bêbado nasci
E bêbado não cresci
E bêbado quero morrer

Inda bem que estou só
(e a solidão perfaz minha inteireza)
Sei que está escuro mas vejam!
Nada nas mãos
Nem nada nos bolsos

Não tenha medo, baby

Não tenha medo, baby
Somos só nós dois
Eu e você
Tanto sós
Que somos um
Nos tantos quanto
Somos

Baldeação

Não tenho como falar agora.
Os deuses nórdicos, como diziam em 1969, me abduziram.
Se abrir a boca, me arrancam a cabeça, me carregam pra além de Alfa-Centauro.
Se eu dissesse que ela, minha cabeça, jé esté lé, debochariam, me trariam de volta. Seria suicídio.
Estou no meio desse bailinho.
Uma música toca do recém-lançado Abbey Road e estou no meio desse bailinho.
Lá fora uns polícias passam querendo assuntar. Veem minha cara de quem vive em Alfa-Centauro, resolvem tirar satisfações.
É complicado no começo. Eles falam algo parecido com o português, eu falo minha língua, meus caros servidores públicos.
Daí são só mal-entendidos até tudo terminar como sempre.
Vamos descendo para Santos pela Anchieta, paramos no pedágio.
Pai, cadê aquele livro que vou ler daqui trinta anos?
Ele faz que não é com ele. Mamãe ajeita os cabelos tintos de rinse.
Assim que acaba a descida da Serra, papai para o carro no acostamento ao lado da floresta, um carteiro se aproxima.
Uma carta. Uma carta para o principezinho.
Mamãe abre o porta-luvas, retira meu cetro e minha coroa.
E eles ficam olhando enquanto alço voo pelo céu poluído de Cubatão rumo à Praia Grande, onde conheci meu primeiro amor.
Que me toma pela mão na roda gigante, assegurando que não estou perdido.

De mim para mim

Você já atravessou um deserto por uns quinze, vinte anos, sobrevivendo duns pingos caídos do céu uma vez por mês e florzinhas silvestres encarapitadas nas pontas dos cactos, tentando correr para longe do sol excruciante durante o dia, tentando se esconder do frio excruciante durante a noite, desmaiando sob o guizo de cascavéis, seguindo delirante os rastros dos escorpiões, sopesando segundo a segundo a doce alternativa de entregar o corpo exausto à areia ansiosa por faturar mais uma carcaça de mais um incauto que se aventurou a atravessar um deserto...?
...e, chegando a um oásis, chegando inacreditavelmente a um oásis, escutando ao longe o correr lépido da água, debochando já das antigas tentações de se entregar, até que se debruça sobre o regato e...
...e...
...e sacode a cabeça e diz
Não!
Não é o momento ainda!
Preciso ter paciência.
Minha sede merece mais...
Minha sede merece mais que um reles gole d’água.
Minha sede merece todo o Mar.
Preciso agora me afogar.

Abobalhante milharal

Uma galinha embarca
Na máquina do tempo
Decidida a ciscar pelos
Anos passados atrás
Dos grãos que perdeu
Ou deixou de querer
Não sabe ainda se deve
Traçar um plano, talvez
Um roteiro, ou simples-
Mente ir parando a esmo
Na viagem de volta
Lhe ocorre a dúvida:
De volta para onde?
Onde tudo começou (ou
Acha que tudo começou)
Ou onde parou no tempo
Qual estátua em eterna
Homenagem a si mesma?

As perguntas que lhe cabem
Nessa hora, essas não as
Faz
Como toda galinha de
Repente tomada de
Obsessão por ciscar
Retroativamente seu
Caminho, tem a cabe-
Cinha tomada das
Respostas erradas
Às perguntas erradas,
Os olhinhos anteci-
Padamente cegos para
Os horizontes que por
Uma razão ou outra
Deixou de registrar. Ah,
Que infinidade de pos-
Sibilidades lhe oferece
A jornada. Não! nada
De planos. Que o aci-
Dental determine seus
Passos. Se lograr perder-
Se, melhor. Terá se
Perdido pela boa busca